Discurso do Presidente da Associação no I Fórum Cabo-verdiano de Liberdade Religiosa

Este é um momento histórico e inspirador, não apenas para a Igreja Adventista, mas para toda a sociedade cabo-verdiana. É significativo porque nos reunimos hoje enquanto representantes das diversas confissões religiosas, do Estado, da academia e da s...


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Excelentíssimo Senhor Presidente da República de Cabo Verde,
Excelentíssimos Senhores Membros do Governo,
Excelentíssimo Senhor Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional,
Senhora Presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos,
Distintos Palestrantes, Autoridades Civis, Diplomáticas e Religiosas,

Caros Convidados, Irmãos e Amigos,

Louvado seja Deus!, pela vida e presença de cada um de nós aqui hoje, nesta casa de leis. É com grande júbilo que realizamos este I Fórum Cabo-verdiano de Liberdade Religiosa!

Este é um momento histórico e inspirador, não apenas para a Igreja Adventista, mas para toda a sociedade cabo-verdiana. É significativo porque nos reunimos hoje enquanto representantes das diversas confissões religiosas, do Estado, da academia e da sociedade civil para, juntos, reafirmarmos o nosso compromisso com a liberdade religiosa - este que é um direito natural, universal e inalienável - que deve ser protegido, promovido e vivido em toda a sua plenitude, por todos e para todos.

Senhor Presidente, na Vossa pessoa, parabenizo o Estado de Cabo Verde por todo o trabalho e pelas conquistas nestes 50 anos. O apóstolo Paulo disse: “Para a liberdade foi que Cristo nos libertou” (Gálatas 5:1) e “Onde há o Espírito de Deus, aí há liberdade” (II Coríntios 3:17). Glória a Deus pelo Espírito de liberdade que temos, em suas diversas vertentes, e que o nosso país comemora.

É o próprio apóstolo Paulo quem nos recomenda em I Timóteo 2:1-2:

“Antes de tudo, recomendo que se façam súplicas, orações, intercessões e ações de graças por todos os homens; pelos reis e por todos os que exercem autoridade, para que tenhamos uma vida tranquila e pacífica, com toda a piedade e dignidade.”

É com esse espírito que reafirmamos nosso compromisso de orar por Vossa Excelência, Sr. Presidente, orar por Vossa Excelência, Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional, assim como por toda a nação, para que Deus continue abençoando Cabo Verde e guiando nosso país rumo a um futuro de paz e prosperidade.

Senhoras e Senhores, os Adventistas do Sétimo Dia acreditam que, antes de ser uma conquista humana, a liberdade é uma dádiva divina.

Ao criar o ser humano perfeito, Deus estabeleceu o princípio e o valor da liberdade ao conceder-lhe o direito e a capacidade de escolha.

Como está escrito em Gênesis 2:16-17:

“E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente; mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás”.

Aqui vemos que Deus deu a liberdade ao homem. Ele orienta, mas não obriga, Ele deixa ao ser humano o poder de decidir. E, como ensina também o texto, a liberdade requer responsabilidades e decisões morais.

De Gênesis ao Apocalipse, em toda a Bíblia, encontramos o livre-arbítrio - o direito de escolher, de decidir crer ou não crer, segundo a consciência.

Por exemplo, em Josué 24:15, lemos: “Escolhei hoje a quem sirvais”. Em Apocalipse 3:20, Jesus suavemente afirma: “Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo”. Deus não arromba a porta do coração humano. Deus convida, mas nunca impõe. Em nenhum lugar da Bíblia encontramos Jesus perseguindo aqueles que não o crêem, pelo contrário, o apóstolo Paulo pergunta em Gálatas 4:16: “Tornei-me, porventura, vosso inimigo, por vos dizer a verdade?”. Nunca!

Prezado Imã Sekou Souaré, Reverendo David Araújo,... nós não somos inimigos por pensarmos diferente. Nós somos todos filhos de Deus, cada um com a sua consciência e dever perante Ele.

Esta é a base bíblica da liberdade religiosa que defendemos: o direito de cada pessoa de seguir a sua fé de forma livre, sem coerção, sem perseguição e com plena dignidade, conforme também estabelece a nossa Constituição no seu Artigo 49o.

A Igreja Adventista do Sétimo Dia, desde o seu início no século XIX, tem sido uma voz ativa na defesa da liberdade de consciência, crença e de culto. Ellen White, cofundadora da Igreja e reconhecida em 2014 como uma das 100 personalidades norte-americanas mais influentes de todos os tempos, já afirmava: “devem os seguidores de Cristo esforçar-se por se colocar em uma luz conveniente perante o povo, a fim de desarmar o preconceito e remover o perigo que ameaça a liberdade de consciência”.

A revista denominacional Liberty Magazine, foi criada em 1886 pela Igreja com o objetivo de defender a liberdade religiosa e a separação entre Igreja e Estado nos Estados Unidos.

Em 1888, em um momento crítico nos Estados Unidos, quando havia várias leis estaduais que restringiam a liberdade de crença e diante de uma proposta de uma lei nacional com fundamentos religiosos, o pastor adventista Alonzo T. Jones não só discursou perante o Congresso dos Estados Unidos defendendo a liberdade religiosa e a separação entre Igreja e Estado, como também foi fundamental para impedir a aprovação dessa lei.

Com esse bravo homem e demais líderes adventistas, em 1893, foi criada a Associação Internacional de Liberdade Religiosa (IRLA) - a organização mais antiga do mundo dedicada exclusivamente à promoção da liberdade religiosa para todas as pessoas, independentemente de sua crença. Hoje, a IRLA é uma ONG, não mais confessional, atuante globalmente, comprometida com a liberdade religiosa.

Com representação nas Nações Unidas e parcerias ao redor do mundo, temos defendido, com coerência, que a liberdade religiosa é um direito de todos, e não apenas de alguns. Este fórum soma-se a centenas de iniciativas promovidas pela Igreja Adventista em diferentes países, através de eventos e ações de educação cívica e espiritual sobre o tema.

Em todas as hierarquias administrativas da Igreja Adventista, desde o nível mais alto - a Conferência Geral, com sede nos Estados Unidos - até as igrejas locais, existe um departamento de Liberdade Religiosa.

Aqui em Cabo Verde, esse setor é presidido brilhantemente pelo advogado Dr. Samora Monteiro, a quem, juntamente com a sua equipa - sobretudo o Dr. Tinito Batista, a Dra. Nilda Fernandes, o Dr. Milton Monteiro e o Dr. Moisés Spinola - agradecemos imensamente pela realização deste evento.

Mais duas notas de agradecimento e reconhecimento, Senhor Presidente:

Temos conosco hoje o pastor António Monteiro dos Anjos, a quem expressamos a nossa gratidão pela atuação do Estado de Cabo Verde no seu caso, quando esteve injustamente detido no Togo. A sua libertação contou com o apoio firme e diligente das autoridades cabo-verdianas.

Em segundo lugar, além do direito internacional, geral e convencional, que integra a nossa ordem jurídica, queremos enaltecer as legislações nacionais que consagram a liberdade religiosa e de consciência — em especial, a Constituição da República e a Lei nº 64/VIII/2014, que estabelece o regime jurídico da liberdade de religião e de culto em Cabo Verde.

Irmãos Adventistas, a Carta Magna do nosso país, no seu Artigo 49.º, n.º 2, garante que:

“Ninguém pode ser discriminado, perseguido, prejudicado, privado de direitos, beneficiado ou isento de deveres por causa da sua fé, convicções ou prática religiosas.”

Sabemos que quando um preso recebe uma visita, não está sendo privilegiado, mas exercendo um direito fundamental.

Da mesma forma, quando uma pessoa com mobilidade reduzida ou deficiência precisa frequentar a escola, realizar exames ou acessar serviços públicos, o Estado tem o dever constitucional de promover as adaptações necessárias - não como um favor, mas como obrigação.

Quando uma pessoa cega necessita de acessibilidade para estudar, trabalhar ou participar da sociedade, o Estado deve garantir esse direito, não como privilégio, mas como cumprimento de sua responsabilidade constitucional.

Analogamente, oferecer medidas alternativas por motivos de consciência religiosa não é um privilégio, mas o exercício de um direito assegurado pela Constituição.

Como bem afirmou Aristóteles há séculos:

“Devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade.”

É esse princípio de justiça distributiva, que reconhece a necessidade de equidade no tratamento das diferenças, amplamente reconhecido na doutrina contemporânea - como, por exemplo, pelo renomado constitucionalista português Jónatas Machado - que precisamos aplicar aos adventistas, muçulmanos e a todos que dele necessitam em Cabo Verde.

Infelizmente, Senhor Presidente e Meritíssimo Juiz da mais alta corte do país, ainda muitos cidadãos adventistas enfrentam graves lesões à liberdade religiosa no contexto laboral, académico e até mesmo em instituições do próprio Estado, no que diz respeito ao respeito pelos seus dias sagrados.

Recentemente, o irmão Sandro Montrond, que aqui está presente, no mês passado, pela segunda vez, foi impedido de prosseguir em um concurso público, pois a prova foi marcada para um sábado - dia em que, por sua consciência religiosa, ele não pode participar -, sem que lhe fosse oferecida qualquer medida alternativa.

Não solicitamos que as provas sejam mudadas, mas exigimos que o Estado ofereça medidas alternativas, da mesma forma que já o faz em outras situações, para que nenhum cidadão adventista seja prejudicado por suas convicções religiosas.

Este é um desafio urgente e necessário para construirmos um Cabo Verde mais justo e respeitador dos direitos de todos.

Estou convicto de que este grave problema será resolvido em breve, pois acredito que deste Fórum sairão propostas relevantes e que passos significativos serão dados no sentido de:

  • reforçar a aplicação das normas já existentes;
  • Promover maior sensibilização junto às instituições públicas e privadas.
  • Criar espaços permanentes de diálogo,
  • e Formalizar a Associação Cabo-verdiana de Liberdade Religiosa (ACLIR), promovida pelos nossos acadêmicos e juristas.

Por fim, permitam-me sublinhar:

  1. A liberdade religiosa não é apenas um valor espiritual; é um fundamento da democracia, da justiça e da coesão social.
  2. Não pode haver liberdade onde a liberdade religiosa é ignorada ou ameaçada.
  3. A liberdade de consciência está no coração de todos os demais direitos humanos.
  4. A paz duradoura - seja ela nacional ou global - depende da nossa capacidade de respeitar o outro, não apesar das diferenças, mas através delas.
  5. Quando protegemos a liberdade de um grupo, estamos a proteger a de todos.
  6. De igual modo, quando respeitamos o direito de alguém crer de forma diferente, estamos a construir pontes de entendimento, de compaixão e de paz.
  7. Este Fórum é o primeiro de muitos, para a consolidação de uma cultura de liberdade religiosa em Cabo Verde.
  8. Em nome da Igreja Adventista do Sétimo Dia em Cabo Verde, reafirmo o nosso compromisso de continuar a trabalhar lado a lado com o Estado, com outras confissões religiosas e com a sociedade civil, para que a liberdade religiosa não seja apenas uma norma escrita na lei de Deus e dos homens, mas uma realidade vivida - com respeito e fé.

Muito obrigado.
Que Deus abençoe a todos!